Você
conhece seus direitos?
Paulo Gomes de Oliveira Filho é formado em Direito pela
Universidade de São Paulo em 1972. Ele atua profissionalmente,
como advogado, no segmento de Direitos Autorais e dá palestras
de esclarecimento sobre o assunto. Ele falou ao Desenho Livre sobre
os maiores problemas enfrentados pelos autores e também deu
algumas dicas de como evitá-los.
DL: Qual o maior problema enfrentado no âmbito de
Direitos Autorais?
Paulo Gomes: O maior problema é o desconhecimento
da existência do Direito Autoral e os problemas que podem
ser causados pelo uso indevido de obras de terceiros. Na maior parte
das vezes, a infração cometida decorre muito mais
da ignorância e do desconhecimento da Lei do que por má-fé.
A área de propaganda é uma das que mais utilizam os
direitos de terceiros. Um filme publicitário, por exemplo,
possui vários autores que se conjugam para obter uma obra
final. Começa pelo roteiro do filme, que é elaborado
por um funcionário ou um criador da agência de propaganda.
O criador tem direitos sobre o filme. Se este for desenvolvido por
duas ou mais pessoas, passa a ser direito dele e também da
agência de propaganda. Depois uma produtora cinematográfica
é contratada. A produtora também possui seus diretores,
cenógrafos e técnicos, que nas situações
onde existe criação intelectual, também possuem
direitos. Depois existe a produtora de som, que também tem
o seu diretor, seus técnicos, o autor do jingle ou a utilização
de uma música já composta, um fonograma, que também
já tem seus direitos conexos. Além deles, existe uma
infinidade de profissionais, como fotógrafos, ilustradores.
O problema que temos hoje é exatamente esse: as maiores falhas
que ocorrem na utilização de direitos de terceiros
são decorrentes da ignorância à Lei de Direitos
Autorais.
DL: No caso de desenhistas, ilustradores, fotógrafos,
como funciona?
Paulo Gomes: Os fotógrafos possuem um capítulo
específico na Lei de Direitos Autorais, mas também
são englobados na parte geral também. Todo e qualquer
criador intelectual, cuja obra tenha o mínimo de originalidade
e criatividade, tem a proteção autoral. Então
seja ele um publicitário, um fotógrafo, um artista
plástico, entre os quais ilustradores, desenhistas, estão
todos abrangidos no Direito Autoral.
DL: Quais os problemas mais comuns aos fotógrafos
e desenhistas: utilização de obras sem autorização,
alterações, reLeituras de obras?
Paulo Gomes: As adaptações e reLeituras
ocorrem muito. Dentro da fotografia, do desenho e da ilustração,
nós sempre temos que lembrar o Artigo 4, que diz que todos
os negócios que envolvam os Direitos Autorais são
interpretados restritivamente. Isso quer dizer que só é
permitida a autorização que está constando
expressamente no contrato ou no orçamento apresentado. Então
se for visto o orçamento de um fotógrafo ou desenhista,
e que aquela obra fotográfica ou ilustração
é direcionado para um fim, ou seja, uma peça publicitária,
por exemplo, não é permitida o uso para qualquer outra
finalidade que não a publicidade. E ainda dentro da publicidade,
deve ser indicado qual o tipo de mídia: se é mídia
impressa ou eletrônica, qual o veículo, o período
de utilização, o território onde isso vai ser
utilizado. São limites que a própria Lei impõe.
Além disso, não se pode utilizar uma obra derivada
de outras obras, a não ser com a autorização
expressa do autor ou se a obra primígena já caiu em
domínio público. O que ocorre muitas vezes na área
de ilustração e desenho é que há uma
“inovação” ou “redesenho”
de um outro desenho já existente sem a autorização
do seu titular. Isso ofende outro aspecto do Direito Autoral: o
Direito Moral. É o direito à paternidade da obra,
o direito de ele permitir que a obra dele seja alterada ou derive
outras obras. A mesma coisa vale para música. Quantas vezes
você vê que são utilizados refrões de
outras músicas? Isso não é uma liberdade poética
que a Lei Autoral permita. Ela diz que você pode usar pequenos
trechos de uma obra para compor algo novo, mas são pequenos
trechos, isso não pode ser utilizado de uma forma mais ampla.
As derivações de obras, podem ser feitas apenas mediante
o uso do autor ou se a obra estiver em domínio público.
DL: Qual a diferença entre o Direito de Propriedade
Intelectual e o Direito Moral?
Paulo Gomes: No campo da Propriedade Intelectual
existem dois segmentos. Um é a propriedade industrial, regida
pelo código de propriedade industrial, onde são regidas
patentes, invenções. É onde, principalmente,
as marcas devem ser obrigatoriamente registradas, para poder valer
contra terceiros. Então quem quer o domínio de determinada
marca deve registrá-la no INPI
(Instituto Nacional de Propriedade Industrial).
No campo autoral, que é o segundo segmento, esse registro
não é obrigatório. Basta que qualquer obra
tenha os dois elementos, originalidade e criatividade, que já
existe proteção. O autor pode exercer esse direito
a qualquer instante em que alguém use indevidamente essa
obra, seja por falta de autorização, derivação,
e daí por diante. Temos também um terceiro segmento,
que não é autoral propriamente dito, mas de certa
forma chega nele, que é o direito personalíssimo de
imagem, som de voz. Todos nós temos o direito pessoal à
vida, à honra, à nossa imagem, ao nosso nome, ao som
da nossa voz, e assim por diante. Isso, quando aplicado dentro da
área artística, temos, além desse Direito Personalíssimo
(que também cobre o autor e sua interpretação)
o Direito Conexo, que está abrangido pela Lei Autoral. Então
um ator, por exemplo, tem o Direito Conexo ao autoral, decorrente
de sua interpretação, da sua imagem artística.
Então ele tem dupla proteção: o Direito Personalíssimo
e o Direito Conexo.
DL: O senhor falou que a Lei protege os contratos de forma
restritiva. Mas também existem muitas pessoas que trabalham
sem contrato. Como a Lei pode protegê-las?
Paulo Gomes: A Lei diz que quando não se
estabelece um contrato escrito especificando qual a finalidade da
obra, fica subentendido que a obra foi realizada para ser usada
em sua primeira finalidade. Então se alguém elabora
uma fotografia para compor uma propaganda, ainda que isto não
conste em documento, se existem outros elementos que dão
a entender a finalidade publicitária, sabe-se então
que é restrito à propaganda. Não há
interpretação elástica, ela é sempre
restritiva. Isso é tido como suficiente para aquele comercial
ou anúncio, por exemplo.
Quando o contrato não especifica um prazo de utilização
específico, o prazo máximo de utilização
é de 5 anos, não há uma presunção
além disso. Em um exemplo prático: alguém que
é contratado como fotógrafo por uma empresa de embalagens
para fazer a fotos da embalagem de um produto para a empresa. Quando
isso é feito, ele concede a imagem para utilização
da empresa pelo prazo máximo de cinco anos, a não
ser que exista outro prazo explícito no contrato. Se não
há um prazo no contrato, depois dos cinco anos, a empresa
não pode reproduzir a embalagem com aquela fotografia, apesar
de não constar no contrato. O exemplo serve para qualquer
outro criador intelectual.
DL: O que é Direito Moral?
Paulo Gomes: Eu sempre digo que ele é quase
um direito genético: sou pai de três filhas. Se um
dia eu morrer e um outro homem adotar as minhas filhas, ele vai
ser pai adotivo. O pai genético serei sempre eu, mesmo morto.
Assim funciona com o Direito Autoral Moral.
O Direito Autoral se subdivide em Direito Autoral Moral e Direito
Autoral Patrimonial. Às vezes as pessoas confundem, achando
que é a mesma coisa. Não é. O Direito Patrimonial
é fácil de reduzir. É o direito da exploração
comercial da obra. Esse direito pode ser transferido em vida ou
em herança. O Direito Moral é o direito, basicamente,
da paternidade da obra. É o direito do criador autorizar
a criação da forma como ele bem entender, inclusive
com eventuais modificações, que só ele pode
autorizar. Se ele sentir que uma obra que ele criou está
sendo utilizada de forma diferente de como havia determinado, ou
achar que está depondo contra sua imagem profissional, pode
pedir a retirada de circulação da obra, mesmo tendo
autorizado anteriormente seu uso. Claro que, neste último
caso, ele precisa pagar uma indenização por isso,
mas a possibilidade existe. Vamos imaginar que um ilustrador criou
o desenho de uma embalagem e, anos depois, ele ache que aquele trabalho
não representa mais a sua qualidade de trabalho atual. Ele
poder dizer o seguinte: “Não quero mais que esta ilustração
seja usada”. Para isso, ele teria, em tese, que ressarcir
o custo das embalagens que já foram produzidas e viabilizar
também a criação de uma nova embalagem para
a empresa. Particularmente, nunca vi isso acontecer no caso dos
Direitos Autorais, mas é possível.
O Direito Autoral Moral jamais pode ser cedido. Uma música
do Chopin será sempre a musica do Chopin. Não vai
ter outro autor. Ela caiu em domínio público e pode
ser utilizada sobre aspecto patrimonial por qualquer pessoa. Pode
ser reproduzida, derivar outras obras musicais, e daí para
frente. Mas ninguém pode dizer: “A música de
Chopin é minha”. Não é. Vai ser sempre
Chopin.
DL: E quem não trabalha com contrato, como deve
agir?
Paulo Gomes: Uma vez que a pessoa se profissionaliza
na área, sempre é mais interessante constituir uma
empresa. Se calcularmos que hoje o imposto de renda devora quase
um terço do que a gente trabalha, se a pessoa física
receber por mês mais de R$ 2.220,00 , ela vai pagar 27,5%
de imposto de renda, além dos outros impostos. Agora, se
houver uma empresa, como microempresa ou empresa de lucro presumido,
ela vai pagar, quando muito, 10 ou 12% de impostos gerais. É
altamente mais recomendável constituir uma empresa. De qualquer
forma, é sempre interessante documentar todas as contratações
de serviço.
Muitas vezes, o grande problema do profissional recente é
que ele não sabe quais são seus direitos e o cliente,
que geralmente é mais forte, faz com que ele ceda seus direitos
e assim por diante. Existem três itens que qualquer contrato
ou proposta de orçamento devem estabelecer: qual a finalidade
do trabalho, qual o território dessa utilização,
qual o prazo de utilização e se há possibilidade
de renovações.
DL: Como funcionam Contratos de Cessão de Direitos
Autorais (C.C.D.A.), que, muitas vezes, são os oferecidos
pelas editoras?
Paulo Gomes: A Lei fala tanto em cessão
definitiva quanto por prazo determinado. Eu não gosto de
usar a palavra cessão, prefiro concessão de uso. O
que os autores precisam lembrar é que quando fazem a cessão
de Direitos Patrimoniais de forma definitiva, perdem totalmente
o direito de uso da sua própria obra. Não tem volta,
a não ser que ele compre os direitos de volta. Isso significa
que o comprador pode usar a sua obra para os fins que ele bem entender,
mas não pode alterar a obra sem sua autorização
e nem dizer que a obra é dele, já que o Direito Moral,
como já disse, é intransferível.
DL: Muitos autores reclamam da exigência dos C.C.D.A.
por parte das empresas...
Paulo Gomes: Sim, e reclamam com razão.
A regra é sempre a não-cessão. A criação
intelectual implica que o autor deva ser remunerado por cada utilização
da obra, pois ela é como um filho para ele. Em determinados
casos individuais, eu entendo que a cessão deva ocorrer.
Por exemplo, quando um designer gráfico é contratado
para criar uma logomarca. A logomarca é praticamente uma
denominação, ela se incorpora à própria
imagem da empresa. Então seria meio estranho que o designer,
lá na frente, entenda que a obra não pode ser mais
utilizada e que a marca é dele. Nessa circunstância,
eu entendo que o designer deva ceder definitivamente o uso dessa
logomarca.
E então aparece outro problema: o designer muitas vezes
é contratado para atualizar uma marca que já está
meio ultrapassada. Esse novo designer pega a base, o cerne da criação
intelectual e desenvolve uma nova visão. Pelo Direito Autoral
Moral, ele não poderia fazer isso, mas é amplamente
feito. O que entra em discussão é até onde
o Direito Moral valeria, pois, apesar de se tratar de uma derivação,
é uma marca que pertence a outro. De qualquer forma, legalmente,
isso não pode ocorrer sem a autorização do
primeiro autor.
O Roberto Duailibi, um dos sócios da DPZ, sempre dá
dois bons exemplos de cessão nas suas palestras. A pessoa
que criou a caneta tipo Bic cedeu seus direitos para a empresa.
Hoje ele é funcionário da empresa como porteiro. Deram
uma função para ele não morrer de fome. Ele
está pobre e é porteiro da empresa para a qual ele
contribuiu sensivelmente com o produto. Do outro lado, tem a pessoa
que criou o xerox, que não cedeu o direito. Ele recebe uma
porcentagem mínima, algo como 0,0001% de todo xerox tirado
no mundo. Ele está milionário. Então, eu aconselho
que não seja feita a cessão definitiva do direito
da obra, a não ser que não exista outra possibilidade.
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